Nesta data costuma perguntar-se:
- Aonde estavas no 25 de Abril?
Pois bem, há quarenta anos atrás tinha 10 anitos,
e como acontecia com a grande maioria das crianças de então tinha escola de
manhã e de tarde.
Naquela manhã, e tal como sucedia todos os dias, a
minha mãe acordou-me, e enquanto eu me arranjava, ela preparava-me o pequeno – almoço.
Normalmente, a minha amiga e colega da 4ª classe
Aura Sá vinha ter comigo, e seguíamos as duas para a escola.
Aquele dia não foi excepção, e pelas 8h e 40m a
Aura tocou à campainha.
A partir desse momento os acontecimentos
desenrolaram-se em catadupa, qual montanha russa…
A minha mãe abriu a porta e deparou-se com uma
Aura perfeitamente alvoraçada que repetia incessantemente:
- D. Benilde há guerra em Lisboa!
-O que dizes Aurita? Ainda vens a dormir ou quê? (convenhamos
que a Aura era uma menina deveras distraída…)
- É verdade D. Benilde, ligue o rádio! A minha mãe
diz que é lá em Lisboa, é muito longe, e que temos de ir na mesma para a
escola! Ligue o rádio!
Perante tal alarido, fez-se-lhe a vontade, e o
dito “cantou” não os habituais fados, mas uma “cantilena” para mim sem sentido,
em que alguém pedia para as pessoas permanecerem em suas casas.
Ficámos meio atónitas, até que a minha mãe “desceu
à Terra, e ditou a “sentença”:
- A tua mãe tem razão, aquilo é lá em Lisboa e
vocês têm escola aqui, portanto é para lá que vão!
E fomos, mas contrariamente ao habitual, a nossa
Professora, a D. Isaltina dos Anjos Cardoso, não havia ainda chegado. O facto
era extremamente inusitado, pois a pontualidade era para ela coisa sagrada.
A rapaziada estava feliz da vida, já que, nenhuma
das Professoras da 1ª à 4ª classes se
encontravam presentes.
O atraso fora de comum durou cerca de 45 minutos,
e quando já nos perguntávamos se não deveríamos regressar às respectivas casas,
eis que surgem todas as professoras em conjunto.
Hoje percebo que deviam estar reunidas, tentando decidir
o que fazer; dar aulas normalmente, ou mandarem-nos embora. E foi justamente o
que sucedeu, enviaram-nos para casa, decisão que me deixou perplexa. Com os
meus 10 anitos, raciocinei que algo de muito extraordinário estaria a acontecer,
que se sobrepunha às pessoas que, em meu entender, tinham mais autoridade.
Dali em diante, nada seria como dantes, e em breve
eu estaria a desejar voltar a ouvir fados na rádio, (estilo musical que não
apreciava) e já não conseguia suportar o tão badalado tema da “Gaivota”.
Naquele mesmo ano fiz o exame da 4ª Classe, e
entrei para o então 1º ano do Ciclo Preparatório, aonde tive novos colegas, novos
professores, e vivi todo o clima do PREC.
Mas essa é outra história.
Deixo-vos com uma foto da época, julgo que de 1975, tirada no terraço da casa da minha amiga Aura, em que estou eu (cabelo comprido e blusa às riscas), meus pais, a minha amiga de óculos , e a irmã dela quase bébé.
Para nós as crianças daquela época, o 25 de Abril começou por ser uma manhã em que não pudemos ir à escola. Claro, aqui em Lisboa soube-se logo às 8 da manhã, que a coisa estava preta e que ninguém podia sair de casa. Nós fomos para a varanda ver não sei o quê, porque em Benfica não havia tanques. O Rádio falava no movimento das Forças Armadas e os meus pais, que eram contra o regime estavam todos contentes. No entanto temia-se uma guerra civil. Pensavam-se em tiros, sangue derramado pelas ruas.
ResponderEliminarNa varanda, vimos uma das colegas de Liceu da minha irmã, que já andava no Sétimo ano. Avisamo-la para não ir para o Liceu, que era perigoso. A rapariga, que já andava metida nos movimentos contra o regime, talvez o MRPP, ficou toda contente e disse que por nada deste mundo ia perder um momento daqueles e partiu toda contente para o Liceu juntar-se aos outros cabeludos.
Enfim pequenas recordações, despertadas pelas suas
Bjos
Pois é Luís, não há dúvida de que, inicialmente, o 25 de Abril foi para nós, miúdos, uma folga da escola, mas quando cheguei a casa só queria saber do meu pai, o qual trabalhava em Lisboa, aonde era Chefe de Recursos Humanos, (na época chamava-se Chefe de Pessoal) e que naquele dia havia saído em serviço da empresa justamente para a Baixa. Foi uma tensão daquelas, já que na empresa a Administração mandou todos os funcionários para casa...e do meu pai nada...
EliminarNo meu caso pessoal, vivi os tempos que se seguiram, como se de uma “prisão” se tratasse. A minha ditadura começou no momento em que os outros davam asas à liberdade…
Era o tempo das “mais amplas liberdades…”e de toda aquela linguagem estereotipada.
Talvez este venha a ser o tema de mais um post para assinalar o 1º de Maio.
Esqueci-me de frisar que, se fosse actualmente, as professoras não teriam encontrado um único aluno a quem mandar para casa, e que nessa diferença de atitude está bem patente que a autoridade da classe docente é uma sombra do que era então.
Mas voltando às suas memórias:
- Desatei a rir-me sozinha só de imaginá-lo a si, e aos seus irmãos, na varanda, da gargalo no ar, perscrutando coisa nenhuma.
Quanto à mocinha revolucionária, tenho para mim que hoje deve ser PSD…bem ao estilo Tia de Cascais...afinal de contas há-os por aí aos molhos, a começar pelo Durão Barroso…
Enfim,esta temática dá pano para mangas!
Beijinho