sexta-feira, 1 de agosto de 2014

100 anos da Primeira Guerra Mundial e a história de um familiar - 100 years of the WW I and a family story










Neste ano de 2014, altura em que passam 100 anos sobre o início da Primeira Guerra Mundial, relembro aqui o meu tio-bisavô Francisco Diogo, natural de Sardoal, Distrito de Santarém, o qual foi um dos muitos mobilizados para o Corpo Expedicionário Português.

O meu tio - bisavô Francisco Diogo, envergando a farda do exército. Foto tirada em França,sob formato postal, e enviada aos familiares a 21 de Junho de 1917.



Verso da foto/postal


Mediante descrição do livro de André Brun "A Malta das Trincheiras", este retrato postal ter-lhe-á custado um  franco. 
Terá recebido instrução militar em Tancos entre Abril e Junho de 1916. 
À data, de acordo com os relatos, Tancos transformou-se numa improvisada "Cidade de Tendas" e de algumas construções de madeira.
Ao tempo, não era muito comum que estes homens soubessem ler e escrever, e a própria instrução militar mostrou-se muito difícil, uma vez que 48% dos mobilizados eram analfabetos e apenas 0,6% tinha instrução secundária.  
Felizmente tal não aconteceu com este meu tio bisavô que, sabendo ler e escrever, sempre se correspondeu com a família. Dessa correspondência, chegaram às minhas mãos 6 postais (um deles em formato de foto pessoal) que retratam o pouco que a censura militar lhes permitia escreverem. As palavras neles escritas resumiam-se, apenas e só, aos beijos e saudades à família, e que eles estavam bem na companhia dos camaradas e amigos...
Ele foi dos que tiveram a sorte de regressar a Portugal. No entanto, a sua saúde ficou muito debilitada devido à inalação dos famigerados gases mostarda,ou fosgénio, que lhe deixaram muitas sequelas do foro respiratório. 

O uso dos gases venenosos na Primeira Guerra Mundial foi uma inovação. Estes podiam ser agentes de inabilitação, como o gás lacrimogéneo e o gás mostarda, ou agentes químicos letais como o fosgénio e o cloro.

O fosgénio é um gás incolor, altamente tóxico e, imagine-se, com um odor de feno cortado recentemente.
Devido ao facto de ser muito venenoso, foi utilizado na Primeira Guerra Mundial como meio de combate.
Em caso de inalação, aparecem cefaléia, conjuntivite, rinite, faringite, laringite, secura e insensibilidade nasal, hemorragia, edema de glote, edema laríngeo, pneumonite, bronquite. Pode ocorrer taquipnéia, sibilos, tosse, infiltrado pulmonar e síndrome disfuncional reactiva das vias aéreas.
Relativamente ao gás mostarda, em 6 a 24 horas após a exposição surge comichão e irritação intensa, e gradualmente vesículas na pele, contendo um líquido amarelo. Estas são queimaduras químicas, extremamente debilitantes.Os sintomas provenientes da intoxicação podem surgir após a contaminação, continuando a aparecer até 12 horas após a exposição. E como se não bastasse, a substância ainda pode permanecer activa por bastante tempo, por isso os soldados que tinham as suas roupas e equipamentos contaminados morriam envenenados. Se os olhos do indivíduo tiverem sido expostos ficariam afectados por conjuntivite que progredia para cegueira temporária. Se inalado em concentrações elevadas causa sangramento e formação de vesículas também nas vias respiratórias danificando a mucosa e causando edema  pulmonar.



Em Portugal, a ordem de mobilização parcial do exército português surge publicamente em cartazes afixados nas paredes das cidades. Segundo descrições da época,"... eram largas folhas brancas cortadas diagonalmente por uma faixa vermelha, onde se fixavam os detalhes da mobilização. Junto a estes formaram-se grupos compactos de homens e mulheres, e em alguns locais ouviam-se ler as ordens em voz alta...
De acordo com os relatos nos editais foram dados seis dias para que os homens se apresentassem nos centros de mobilização,aonde foram chegando em massa. Os quartéis de Lisboa tornaram-se exíguos para alojarem a todos, o que levou à utilização de outros edifícios públicos.Posteriormente, foram dispersos por locais nos arredores, conforme as armas, para praticarem instrução intensiva.
A notícia de que a Divisão Expedicionária ia deixar Lisboa para os locais de instrução foi dada com grande antecipação pelos jornais de então.


Lisboa começou a ver partir soldados, no entanto estes ainda não partiam para a guerra. O transporte começou em Dezembro. 
O cais de embarque era Santa Apolónia, e manhã muito cedo, os militares desfilavam entre os quartéis e a estação, onde comboios especiais os esperavam com as portinholas abertas e,  cada uma delas marcada a giz com a informação de quem as devia ocupar. 
A população juntava-se em aclamações de "Viva Portugal!, Viva o Exército! Viva a República!", e agitando lenços.


Foto tirada na Estação de Brest. é de reparar a existência de indicações a giz nas portas (portilholas) das carruagens.

Dois pequenos filmes de época, encontrados nos inúmeros milhares disponibilizados pela British Pathé.

                                                           



Mais alguns postais escritos pelo meu tio-bisavô Francisco Diogo.





Infelizmente, este meu tio-bisavô morre muito cedo. O pouco que dele sei resume-se quase exclusivamente à sua passagem pela 1ª Guerra Mundial (CEP) e a estes postais.
 Através de uma pesquisa online no Arquivo Histórico Militar consegui obter o seu Boletim Individual do Corpo Expedicionário, o qual me forneceu mais alguns elementos bastante interessantes, que deixam antever um pouco da sua personalidade, como sendo alguém que não baixava a cabeça com facilidade, nem dizia Ámen a tudo.
O mais relevante destes, tem a ver com sua prisão disciplinar pelo período de 15 dias, e que se ficou a dever a « ... comentar a forma porque um oficial havia marcado as tarefas do trabalho de arrasamento de trincheiras e por se permitir ir verificá-las contando os passos de cada uma..."




Duas fotos do Arquivo Histórico Militar, em que se vêem as tendas do acampamento do CEP.



 O resto da história é triste, já que, logo após o seu regresso a Portugal decide casar-se e aluga uma quinta em Lisboa ( ignoro o local exacto)para onde vai morar. Através dos relatos familiares sei que a sua saúde necessitava de cuidados acrescidos. A mulher acabou por traí-lo, e todo esse conjunto de situações levou-o ao desespero e ao suicídio por enforcamento.
Desgosta-me imenso o facto, pois tendo passado por tanta vicissitude na guerra, ter sobrevivido, vir a pôr termo à vida quando já estava em segurança, e em parte (presumo eu) por causa de uma mulher que lhe foi infiel, é quase como aquela expressão "Morrer na praia".Curiosamente (ou não), nunca me foi mencionado o nome da mulher,nem a sua naturalidade. 
Desconheço em absoluto em que zona da cidade de Lisboa foi enterrado. Presumo que tenha morrido na década de 20 do séc XX.
Não deixou descendência. Tinha seis irmãos, quatro raparigas Rita, Laura, Carlota e Jacinta (minha bisavó paterna) e dois rapazes - David e Manuel
Devo à minha avó paterna Maria (avó Babia, era assim que eu em pequenina dizia o seu nome), e bisavó paterna Jacinta (irmã do mobilizado) todos estes pequenos, mas agora grandes pormenores acerca do seu tio e irmão! Foi graças aos seus relatos, feitos a mim e ao meu pai, que toda esta história chegou até à actualidade!









Fontes:
  • Arquivo Histórico Militar
  • Vídeos Youtube - colecção British Pathé
  • Hemeroteca de Lisboa
  • http://www.portugal1914.org/
  • http://www.fmsoares.pt/
  • Postais da colecção particular

4 comentários:

  1. Alexandra

    Gostei muito deste seu post. Através de uma história simples, conseguiu retratar todo o drama de uma geração que fez a guerra, sobretudo dos sobreviventes, que nunca conseguiram ultrapassar os traumas da guerra, que sofreram os efeitos secundários do gás mostarda, que puseram termo à vida ou morreram com a pneumónica. Recentemente li um romance os Thibault de Roger Martin du Gard que relata como dois irmãos atravessaram a guerra de 14-18 e a história do seu tio poderia perfeitamente estar incluída no romance.

    Bjos e parabéns por esta pequena, mas grande história

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  2. Luís,

    Mais uma vez, obrigada pelos seus comentários.
    Relativamente a este post, estou em crer que ainda será alvo de actualização, já que solicitei ao Arquivo Geral do Exército o envio dos chamados Documentos de Matrícula deste meu tio-bisavô, nos quais espero encontrar mais alguns dados relevantes.
    .A história deste meu antepassado, Francisco Diogo, foi publicada no portal Portugal 1914 da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.
    Também tenho confirmação de publicação da história no jornal Público, mas ainda não sei concretamente em que data.
    Deixo-lhe o link:
    http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias

    Aqui poderá encontrar tudo, mas mesmo tudo o que possa imaginar acerca da participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial. Há as memórias de família, os artigos de jornal, revistas, postais, etc, etc.
    Toda a informação por eles recolhida, mais precisamente através do Instituto de História Contemporânea, é posteriormente canalizada(desde que exista permissão por parte das famílias) para o Europeana, que é o local europeu de partilha de todas as memórias e objectos respeitantes a todos os países europeus que tiveram participação na 1ª Grande Guerra.

    Aqui fica o link respectivo:
    http://europeana1914-1918.eu/en

    Há histórias deliciosas, que só agora começam a ser do conhecimento público.

    Espero que goste!

    Bjos

    Alexandra Roldão



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  3. Gostei muito da história que aqui contou, a qual reflete uma situação que, infelizmente, escapa a grande parte da população, que foi o descalabro da participação portuguesa na I Grande Guerra. E pouco ou nada se ganhou com ela.
    Na aldeia de onde a minha mãe era originária, próximo de Pombal, nos distantes anos 50, o meu pai foi encontrar uma família que vivia pobremente, porque o chefe desta família tinha ido para a guerra, sobreviveu, mas, com tantos problemas de saúde nas vias respiratórias (os gaseamentos também contribuíram para a sua cegueira) que não demorou a ficar completamente inutilizado, e, dessa forma, viviam da caridade alheia.
    Eram dos que não sabiam escrever, e ali ficaram, a viver do que lhes calhava ser dado.
    Ainda os conheci (o senhor já tinha falecido), e eram pessoas algo esquivas, o que talvez se devesse à forma como eram tratados ... no interior rural de meados do século não há compaixão, pois a vida era dura para todos.
    Mediante exposição ao governo de então o meu pai conseguiu que aquela família ficasse melhor, recebendo uma pensão que os confortou durante os maus anos que mediaram até que, finalmente, as gerações mais jovens emigraram.
    Com esta emigração os familiares mais jovens conseguiram melhorar de forma incomensurável o seu nível de vida.
    Gostei muito como abordou esta história do seu familiar

    Manel

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    1. Caro Manel,
      Seja muito bem-vindo a este meu blog!
      Relativamente a esta história, e tal como já referi ao nosso amigo Luís Montalvão, estou deveras empenhada em tentar descortinar o que se esconde para lá da história contada em família.
      Na verdade, creio que, e a fazer fé na minha intuição, terá existido um corte de relações com este antepassado, o qual presumo tenha a ver com o seu casamento apressado…
      A minha bisavó costumava referir-se-lhe da seguinte forma:
      - Casou lá para Lisboa, e para lá ficou…
      Ora, julgo que saltará à vista de toda a gente que as relações não deveriam ser muito amistosas. Facto estranho, pois antes e durante o período da guerra houve sempre correspondência muito afectuosa.
      A minha teoria é a de que aquele casamento, não terá sido visto com bons olhos pela família…tanto assim que nunca foi mencionado o nome da esposa, ou a sua naturalidade. Sente-se como que uma névoa densa sobre o assunto…
      Chego mesmo a equacionar que a rapariga fosse Lisboeta, e quiçá se tivessem conhecido aquando de uma eventual passagem deste meu tio-bisavô pelo Hospital de Arroios…
      Enfim, todo este enredo algo misterioso é para mim um incentivo para tentar obter mais informação.
      Se a conseguir obter, partilhá-la-ei!

      Um abraço amistoso,
      Alexandra Roldão

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